Duelo inglório

O que mata mais: corrupção ou incompetência?

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29 de julho de 2022, 16h26

Em sua edição de julho, a revista Piauí publicou mais uma reportagem sobre o mar de lama e de oportunismo gerado pela distribuição indiscriminada de recursos através do tal de "orçamento secreto" ou das tais de "emendas do relator". Sucinta, a reportagem, assinada pelo repórter Breno Pires, já informa logo de cara a que veio: "Depois dos tratores e das escolas fakes, o orçamento secreto patrocina um festival de fraudes no SUS". E passa a dissecar, com precisão cirúrgica, o festival de fraudes que anuncia.

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Um exemplo, o primeiro de uma longa lista: "No ano passado, Bela Vista recebeu 5,5 milhões de reais em verbas de emendas parlamentares para pagar exames e consultas com profissionais especializados, gastos que fazem parte da chamada atenção de 'média e alta complexidade' — ou MAC, no jargão da saúde. É bastante dinheiro. É mais do que receberam as secretarias de saúde de 11 capitais, entre elas Florianópolis, Natal, Vitória, Belém e Manaus. Considerando que Bela Vista tem apenas 11,3 mil habitantes, os 5,5 milhões resultam numa média de 490 reais per capita — quantia muito superior à média nacional, de 20 reais por habitante".

Além de Bela Vista, a reportagem cita e relata os casos de 15 municípios maranhenses que participaram ou participam do festival de fraudes no SUS relatado pela reportagem da Piauí. E não escolheu o Maranhão por acaso para tratar do assunto. Como a própria reportagem constata, "entre as 30 cidades brasileiras mais bem aquinhoadas por habitante, o Maranhão emplaca 23. Mais notável ainda é que a fatia do Maranhão nas verbas de saúde vem crescendo em ritmo acelerado".

Ao tema monocórdico da corrupção, repisado diuturnamente pela mída, a Piauí acrescenta uma faceta que lança luzes sobre o desperdício de dinheiro público no país. A reportagem deixa claro que existe não apenas um bem azeitado esquema de desvio de dinheiro, mas também uma total falta de planejamento e de fiscalização no uso desses recursos. Não é só honestidade que está em falta na Administração Pública. Salta aos olhos também a ausência de critérios e de competência para definir prioridades na aplicação dos recursos.

A "volta" de que fala a reportagem é corrupção pura e simples: "Uma parte das verbas — que em alguns casos pode chegar a até 30% do total dos recursos enviados à prefeitura — vira o que os corretores de propina em atividade no Congresso Nacional chamam de 'volta'. A 'volta' é a quantia de dinheiro que a prefeitura devolve ao parlamentar que assinou a emenda beneficiando o município. É uma propina paga com verba da saúde".

Outro trecho da reportagem mostra o outro lado da tragédia: "O Maranhão é o destino dos maiores valores do Fundo Nacional de Saúde para os Fundos Municipais de Saúde, destinados ao custeio de atenção básica e do MAC, mas é também o campeão nacional de repasses de emendas do orçamento secreto em todas as áreas. Aqueles 918 milhões de reais em saúde que o Maranhão atraiu até agora são um feito e tanto. Deixa o estado atrás apenas de Minas Gerais, a unidade da federação com o maior número de municípios no país e na qual o senador Rodrigo Pacheco fez sua carreira política".

A desorganização na repartição do dinheiro público não é obra do acaso, mas é legalmente organizada: "Em 2015, mediante uma mudança na Constituição que tornou obrigatório o pagamento das emendas orçamentárias individuais, os deputados e senadores passaram a ter o direito de mandar verbas da saúde para os municípios de sua escolha, mas com um limite: o valor das remessas não pode ser superior à quantia que o município informou ter gastado no ano anterior". Ou seja, a lei prevê que quanto mais se gastar, mais se vai receber. O que era para ser um limite passa a ser um incentivo ao desperdício.

A reportagem da Piauí mostra, ainda, a falência da fiscalização do Ministério da Saúde: "A aplicação dos recursos do SUS é fiscalizada por funcionários do Departamento Nacional de Auditoria (DenaSUS), que tem representantes em todos os estados e no Distrito Federal. Até 2017, o DenaSUS realizava em torno de 1,3 mil auditorias e atividades de controle por ano. Mas, de lá para cá, o número desabou. Em 2019, foram apenas 351. Em 2020, só 208. No ano passado, 151".

Clique aqui para ler a reportagem da Piauí.

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